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Deixa me ouvir o que não ouço...
Não é a brisa ou o arvoredo;
É outra coisa intercalada...
É qualquer coisa que não posso
Ouvir senão em segredo,
E que talvez não seja nada...
Deixa me ouvir...Não fales alto!
Um momento...Depois o amor,
Se quiseres...Agora cala!
Ténue, longínquo sobressalto
Que substitui a dor,
Que inquieta e embala...
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença
Se a aurora raia sempre,
Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam ?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma ?
Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
Ricardo Reis, in "Odes"
O poema dito por Luís Gaspar - podcast (ver) em www.truca.pt
Na Rede de Bib. Escolares (2003)
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